Do livro Não Tenho Fé Suficiente para Ser Ateu

Vamos recapitular aquilo que vimos até aqui: a verdade existe e ela é absoluta e inegável. Dizer que "a verdade não pode ser conhecida" é uma afirmação falsa em si mesma porque a própria afirmação afirma ser uma verdade conhecida e absoluta. De fato, todas as vezes que dizemos qualquer coisa estamos deixando implícito que conhecemos pelo menos alguma verdade, porque qualquer posição ou qualquer assunto implica algum grau de conhecimento. Se você disser que a posição de alguém está errada, então você deve saber o que é certo para poder dizer isso (você não pode saber o que está errado a não ser que saiba o que está certo). Até mesmo ao dizer "eu não sei", você está admitindo que sabe alguma coisa, ou seja, que você sabe que não sabe alguma coisa a mais sobre o tópico em questão, mas não que você não saiba nada sobre nada.
Como alguém pode conhecer a verdade? Em outras palavras, qual é o processo pelo qual descobrimos a verdade sobre o mundo? O processo de descoberta da verdade começa com as leis auto-evidentes da lógica chamadas primeiros princípios. São chamados de primeiros princípios porque não existe nada por trás deles. Eles não são aprovados por outros princípios; são simplesmente inerentes à natureza da realidade e, assim, são auto-evidentes. Portanto, você não aprende esses primeiros princípios: simplesmente sabe que existem. Qualquer pessoa conhece intuitivamente esses princípios, mesmo que não tenha parado para pensar explicitamente sobre eles.
Dois desses princípios são a lei da não-contradição e a lei da exclusão do meio-termo. Já vimos a realidade e o valor da lei da não-contradição. A lei da exclusão do meio-termo nos diz que uma coisa é ou não é. Exemplo: Deus existe ou não existe. Jesus ressuscitou dos mortos ou não ressuscitou. Não há uma terceira alternativa para cada uma dessas afirmações.
Esses primeiros princípios são as ferramentas que usamos para descobrir todas as outras verdades. De fato, sem eles você não poderia aprender nenhuma outra coisa. Os primeiros princípios são para o aprendizado aquilo que os nossos olhos são para a visão. Assim como os nossos olhos devem estar presentes em nosso corpo para que possamos ver, os primeiros princípios devem estar em nossa mente para que possamos aprender alguma coisa. Da concepção desses primeiros princípios é que podemos aprender sobre a realidade e, por fim, encontrar a tampa da caixa do quebra-cabeça que chamamos de vida.
Embora usemos esses primeiros princípios para nos ajudar a descobrir a verdade, sozinhos não podem nos dizer se uma proposição em particular é verdadeira. Para entender o que estamos dizendo, considere o seguinte argumento lógico:

1.Todos os homens são mortais.
2.João é um homem.
3.Portanto, João é mortal.

As leis auto-evidentes da lógica nos dizem que a conclusão — João é mortal — é uma conclusão válida. Em outras palavras, a conclusão necessariamente segue as premissas. Se todos os homens são mortais e se João é um homem, então João é mortal. No entanto, as leis da lógica não nos dizem se aquelas premissas e, portanto, a conclusão, são verdadeiras. Talvez nem todos os homens sejam mortais; talvez João não seja um homem. A lógica por si só não pode dizer nada disso.
Esse ponto é mais facilmente entendido ao olharmos para um argumento válido que não é verdadeiro. Considere o seguinte:

1.Todos os homens são répteis de quatro patas.
2.Antônio é um homem.
3.Portanto, Antônio é um réptil de quatro patas.

No aspecto lógico, esse argumento é válido, mas todos nós sabemos que ele não é verdadeiro. O argumento é válido porque a conclusão segue as premissas. Mas a conclusão é falsa porque a primeira premissa é falsa. Em outras palavras, um argumento pode ser logicamente correto, mas ainda assim ser falso, porque as premissas do argumento não correspondem à realidade. Assim, a lógica nos leva apenas até aqui. A lógica pode nos dizer que o argumento é falso, mas não pode dizer por si só quais premissas são verdadeiras. Como sabemos que João é um homem? Como sabemos que os homens são répteis de quatro patas? Precisamos de mais informação para descobrir essas verdades.
Obtemos as informações com base na observação do mundo ao nosso redor e, então, tiramos conclusões gerais dessas observações. Ao observar alguma coisa repetidas vezes, você pode concluir que algum princípio geral é verdadeiro. Por exemplo: quando você deixa cair um objeto da mesa repetidas vezes, naturalmente observa que o objeto sempre cai no chão. Se fizer isso uma quantidade suficiente de vezes, finalmente perceberá que existe algum princípio geral em ação, conhecido como gravidade.
Esse método de chegar a conclusões gerais a partir de observações específicas é chamado de indução (que é comumente equiparado ao método científico). Para sermos bem claros, precisamos distinguir a indução da dedução. O processo de dispor-se premissas em um argumento e chegar a uma conclusão válida é chamado dedução. Foi isso que fizemos nos argumentos acima. Mas o processo de descobrir se uma premissa em um argumento é válida geralmente exige a indução.
Muito daquilo que sabemos, o sabemos por meio da indução. De fato, você já usou indução intuitivamente para investigar a verdade das premissas nos argumentos acima, a saber: determinou que, uma vez que todo homem que você observou é um mamífero de duas pernas, então o homem Antônio não pode ser um réptil de quatro patas. Você fez a mesma coisa com a pergunta sobre a mortalidade de João. Uma vez que todos os homens que você viu ultimamente morrem, você adotou a conclusão geral de que todos os homens são mortais, incluindo um indivíduo específico chamado João. Essas conclusões — homens de duas pernas, gravidade e mortalidade humana — são conclusões indutivas.
A maioria das conclusões baseadas na indução não pode ser considerada absolutamente certa, mas apenas altamente provável. Por exemplo: você está absolutamente certo, tem 100% de certeza, de que a gravidade faz todos os objetos caírem? Não, porque você não observou todos os objetos caindo. Do mesmo modo, você está absolutamente certo de que todos os homens são mortais? Não, porque você não observou a morte de todos os homens. Talvez exista alguém em algum lugar que não tenha morri do ou que não vai morrer no futuro.
Desse modo, se as conclusões indutivas não são seguras, podemos confiar nelas? Sim, mas com graus variáveis de certeza. Como dissemos, uma vez que nenhum ser humano possui conhecimento infinito, a maioria das nossas conclusões indutivas pode estar errada (existe uma importante exceção. Ela é chamada de "indução perfeita”, na qual todos os particulares são conhecidos. Por exemplo: "todas as letras desta página são pretas". Essa indução perfeita dá certeza sobre a conclusão porque você pode observar e verificar que todas as letras desta página realmente são pretas).
Mas mesmo quando não se tem informação completa ou perfeita é possível ter suficiente informação para chegar a algumas conclusões justificáveis na maioria das questões da vida. Por exemplo: uma vez que praticamente já se observou que todos morrem, sua conclusão de que todos os homens são mortais é considerada verdadeira ainda que passível de dúvida. Existe mais de 99% de certeza, mas ela não é absoluta. É preciso ter certo grau de fé mesmo que pouca — para acreditar nisso.1 O mesmo pode ser dito em relação à conclusão de que a gravidade afeta todos os objetos, e não apenas alguns. A conclusão é praticamente correta, mas não é absolutamente certa. Em outras palavras, podemos ter certeza com uma dúvida justificável, mas não certeza absoluta.