Uma notícia publicada hoje pela manhã no UOL informava que G. S., considerado melhor amigo de Wellington Menezes de Oliveira na época de escola, afirma que o assassino de Realengo havia sido testemunha de Jeová. Informava até que tanto ele quanto Wellington haviam sido expulsos da congregação que participavam. Agora a pouco, no Fantástico, em uma reportagem mostrando o interior da casa de Wellington, apareceu em evidência o livro “Estudo Perspicaz das Escrituras”, reforçando ainda mais a idéia que Wellington teve de alguma forma envolvimento com essa religião.
Que livro é esse? Seria possível que esse livro servisse de fundamento para o terrível ato cometido por Wellington? Como já escrevemos vários textos sobre as Testemunhas de Jeová aqui no blog, acho apropriado explorarmos um pouco o assunto.
Antes de mais nada, outras publicações das Testemunhas de Jeová estavam na casa de Wellington. Além de Estudo, também foi mostrado Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas e Os Segredos de uma Família Feliz. Esses livros (e muitos outros) são publicados pela Torre de Vigia, organização formal dessa religião.
Para melhor entendermos Estudo Perspicaz das Escrituras, vamos deixar que o livro fale por si mesmo. Logo em seu início, podemos ler o seguinte:
“O objetivo desta publicação é ajudá-lo a fazer um estudo perspicaz das Escrituras. Como se faz isso? Por ajuntar de todas as partes da Bíblia os pormenores que se relacionam com os assuntos em consideração. Por trazer à atenção palavras das línguas originais e seu sentido literal. Por considerar informações relacionadas da história secular, das pesquisas arqueológicas e de outros campos de ciência, e pela avaliação disso à luz da Bíblia. Por prover ajudas visuais. Por ajudá-lo a discernir o valor de agir em harmonia com o que a Bíblia diz” (vol. 1 página 4).
Estudo é um tipo de manual/dicionário teológico sistemático em três volumes muito utilizado pelas Testemunhas de Jeová. É o livro que substituiu Ajuda ao Entendimento da Bíblia, que ocorreu por causa da saída de Raymond Franz da organização, que foi um dos principais editores da obra.
A questão que se levante agora é: poderia o assassino de Realengo tirar desse livro orientações para seguir com seu plano?
Não. Com toda a certeza, Wellington jamais poderia encontrar qualquer palavra de encorajamento para seus atos. A religião das Testemunhas de Jeová é uma religião pacífica, avessa até mesmo ao envolvimento com as forças armadas, tanto militares quanto auxiliares. No verbete assassínio, o livro explica: “Embora os seguidores de Cristo talvez fossem perseguidos e até mesmo assassinados pela causa da justiça, não deveria suceder que sofressem por terem cometido assassínio ou outros crimes” (vol. 1 página 251).
Uma testemunha de Jeová que fizesse parte regular da organização não cometeria um ato como esse. Isso seria muito difícil. Como já disse em outro texto, existe louco em tudo quanto é religião. Mas uma das principais características das Testemunhas de Jeová é a mansidão. Pelo menos em relação à agressão física.
O maior perigo que existe em Estudo é o teológico. Aquele que se guia pelos ensinos da Torre infelizmente está seguindo uma religião falsa, que não reflete corretamente aquilo que a Bíblia ensina, mas reflete o entendimento distorcido do Corpo Governante. Doutrinas como deidade de Cristo, punição eterna daqueles que se rebelaram contra Deus, existência da alma e tantas outras são veemente negadas pela Torre de Vigia, através de um malabarismo exegético, da qual a Tradução do Novo Mundo é parte fundamental. Apesar do perigo teológico, se Wellington estivesse realmente seguindo os ensinos de Estudo Perspicaz das Escrituras, ele estaria batendo na porta de alguém com uma pastinha e uns exemplares de A Sentinela na mão, ao invés de um par de armas nas salas de aula de uma escola.
Wellington foi um assassino frio, provavelmente uma pessoa perturbada, talvez uma pessoa com alguma doença psíquica, talvez oprimida por demônios ou talvez ambas as coisas. É o tipo de pessoa que utilizaria qualquer religião (ou falta dela) para fundamentar seu ato de terror.
Só um último comentário sobre a declaração do superintendente de circuito das Testemunhas de Jeová, Antônio Marcos Oliveira. Ele disse “nenhuma testemunha de jeová pode ser excluída de sua congregação”. Isso é muito estranho, porque um membro de uma congregação pode sim ser expulso. Isso está até no verbete expulsão de Estudo “excomunhão ou desassociação judicial de infratores, que assim deixam de ser membros ou associados de uma comunidade ou organização. No caso de sociedades religiosas, é um princípio e um direito inerentes nelas, e é análoga aos poderes de pena capital, de banimento e de exclusão do rol de membros, exercidos por entidades políticas ou municipais” (vol. 2 página 86). Existe até orientação sobre como a expulsão deve ser feita e em quais casos. No livro Prestai Atenção a Vós Mesmos e a Todo o Rebanho (o antigo manual dos anciãos, hoje substituído por Pastoreiem o rebanho de Deus) o ancião é instruído da seguinte forma: “Se foram feitos todos os esforços razoáveis para reajustar a pessoa que cometeu sérios pecados, e ela, ainda assim, continua impenitente, deve ser desassociada” (página 115).
A declaração do superintende me parece estranha. Talvez tenha sido publicada fora de seu contexto.