Eu gosto muito de passear em sebos. Sempre encontro coisas interessante nos diversos sebos de São Paulo. Essas idas tem se tornado mais raras desde que comprei meu Kindle, mas ainda assim, de vez em quando, dou uma espiada quando passo perto de um.
E assim foi quando tive a agradável surpresa de passar por um sebo em Santana e encontrar algumas literaturas da Torre de Vigia, a organização das Testemunhas de Jeová. E entre os achados, estava uma Tradução das Escrituras Gregas, publicada em 1963. Essa foi a primeira versão do que mais tarde foi a Tradução do Novo Mundo das Escrituras (TNM), a tradução oficial das Testemunhas de Jeová.
Veja abaixo a capa do livro que comprei.


Quando cheguei em casa, dei uma boa folheada no livro e quando cheguei ao Evangelho de João, notei a falta de uma palavrinha que é um dos grande motivadores dos debates em torno da TNM: a palavra [um]. Na TNM dos dias de hoje, João 1:1 está assim:

“No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com o Deus, e a Palavra era [um] deus”.

Mas no livro de 1963, a palavra [um], não se encontra, assim como está em grego. Mas a palavra “deus”, essa sim se encontra em minúscula. Veja a imagem abaixo, que escaneamos do livro de 1963.


Veja também a imagem escaneada da edição atual da TNM, onde [um] está inserido.


Na versão de 1963, os “tradutores” da TNM seguiram o que é considerado como uma tradução mais fiel de João 1:1, que em grego não traz o artigo. Assim, fizeram uma tradução mais correta.
Mas pela própria força do texto, que é uma declaração inegável da divindade de Jesus, em versões posteriores, contrariando tudo o que se sabe de grego bíblico, o [um] foi inserido.
Várias explicações foram dadas para tentar justificar a inserção do [um], mas elas só tem poder explicativo com aqueles que ignoram grego e também estão fechados nos ensinos da organização.
Alguns estudiosos do grego bíblico foram citados para tentar convencer que essa é a tradução correta, mas a grande maioria deles foi citada fora de contexto. Mesmo traduções onde [um] foi inserido e citados pela Torre, tinham a intenção de destacar a essência divina de Jesus.
E essa escolha traz um problema enorme para a Torre de Vigia.
João 1:1 chama Jesus de Deus. Isso é inegável. A questão é: esse Deus é o mesmo Deus que os judeus adoravam ou era outro deus? Para a Torre de Vigia, é outro deus e [um] destaca essa diferença. Assim sendo, a Torre faz uma declaracão politeísta, pois declara que existe mais de um Deus. A defesa: outras pessoas na Bíblia também foram chamadas de Deus, portanto, Jesus também poderia ser chamado [um] deus. Mas essa defesa perde sua força por ignorar que todos os outros que são chamados de deuses são falsos deuses. Assim, se Jesus é um deus como os outros deuses, ele é um falso deus. Mas se ele é um Deus verdadeiro, ou Ele é Jeová (trindade, como ensinado na Bíblia) ou existem vários deuses verdadeiros, o que seria politeísmo. A solução é mais complicada do que o problema.
Esse é um dos motivos pelos quais eu sempre compro literatura antiga da Torre de Vigia. A melhor forma de saber que essa organização não é profeta de Deus na Terra é ver como sua teologia mudou ao longo de mais de 100 anos, contradizendo a si mesma nos mais variados pontos.
Como já disse várias vezes, Charles T. Rusell seria expulso da organização que ele mesmo criou, tão diferente são os ensinos hoje do que já foram um dia.